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segunda-feira, 30 de março de 2015

No Sopé do Araripe.


Uma vasta área rural com predominância do verde e árvores frutíferas. Um toque feminino presente nos gerânios e nas floridas trepadeiras. Ao lado, e com fácil acesso para os que vêm da rua, uma capela. Ao centro do pomar, a casinha branca irretocável. No terraço, aconchegantes cadeiras, e caqueiras com vistosas samambaias.

Localizada no Crato, na ladeira que só termina quando chega ao Clube Granjeiro, subida da serra do Araripe, aquele belo recanto beneficiado pela sua localização e altitude, viria a ser o lugar de repouso de um homem forte, vigoroso, trabalhador, enérgico, bonito e padre.

Começara cedo, não sei se por vocação, imposição ou falta de opção. Eu ainda me iniciava no curso primário daquele imenso colégio, e lá ele já era o diretor.

Apesar de ainda muito moço, era admirado por todos e festejado principalmente pelas mulheres.

Inteligente, culto e atuante, por alguns anos acumulou suas funções de padre e educador, com a de integrante do Conselho de Educação do Ceará.

Desempenhou do Crato as suas funções, com grande esmero. Orgulhava-se de, ao longo de quatro anos, nunca haver faltado a uma só das reuniões do Conselho, ainda que precisando, mensalmente, enfrentar longas viagens de ônibus para a capital.

Não sei quando fiquei sabendo, que o então padre Francisco de Holanda Montenegro, que viria a tornar-se monsenhor, era primo do meu pai e, portanto, meu primo também.

Por isso é que mesmo depois de mudar-se para o Recife, meu pai costumava visitá-lo sempre que ia ao Crato, e por último já na chácara do chamado Bairro do Granjeiro.

O parentesco era pela família Holanda da mãe do meu pai. Os Jucás e Holandas eram originários da cidade cearense de Iguatu e região circunvizinha, denominada Inhamuns.

Após o falecimento de meu pai, em 1986, nas minhas idas periódicas ao Crato passei a visitar o velho parente, cuja primeira lembrança que dele tinha, era a de nos chamar a todos, alunos primários do Diocesano, por "Zezinho".

Em minhas primeiras visitas ao Monsenhor Montenegro, encontrei-o já aos 80 anos. No início, talvez por uma não aceitação inconsciente da perda do meu pai, às vezes me tomava por ele, ao perguntar a mim, por mim mesmo! 

Eu gostava muito de ouvi-lo sobre as suas experiências de vida, e mesmo quando, cada vez mais se aproximava dos seus 90 anos, sempre o encontrava lendo e escrevendo um novo livro. 

Costumava presentear-me com os livros de sua autoria fazendo dedicatórias, e quando de algum não era possível de imediato dispor, porque ainda estava no prelo, encarregava-se de me mandar depois pelo correio.

Quando no Crato eu visitava outras figuras ilustres que guardara nas minhas lembranças de infância, aproveitava para cruzar informações, e descobrir a imagem que uns tinham dos outros.

Assim é que visitei a minha primeira professora de português, Dona Rosinha Esmeraldo, às vésperas do seu centenário. Era ela irmã de Dona Lurdinha Esmeraldo, a quem já me referi em outra história, e portanto também prima de minha mãe Alice.

Dona Rosinha conversou comigo longamente, com admirável lucidez. Perguntei sobre as suas lembranças e ligações com muitos de seus contemporâneos, inclusive sobre o agora Monsenhor Montenegro.

Ela me reafirmou, então: o Monsenhor Montenegro é primo do seu pai! Chegou aqui muito moço, bonito! Por mais de cinco décadas, e até um dia se aposentar, foi o diretor do Ginásio Diocesano. Agora está velho!  Mas as moças eram doidas por ele!

E continuava Dona Rosinha: lembro aqui na Igreja da Sé, que em dia de confissão formava-se uma fila imensa... Aquelas moças todas na fila, escolhiam ele para se confessar. 

Eu mesma e minha irmã Lurdinha, às vezes uma às vezes a outra, a gente tinha pena dele, confessando horas sem parar! Nós levávamos um copo de leite para ele, e ficávamos um tempão em pé, com o copo de leite esfriando, até ele notar. 

Quando ele via, no intervalo entre uma confissão e outra, fazia um sinal para a gente se aproximar, e era aí que tomava aquele copo de leite, antes de continuar.

Voltando ao histórico das minhas visitas, nas últimas que fiz, ele me esperava na calçada e manifestava sempre uma grande satisfação de me rever. 

Conversava sobre a origem das famílias que haviam constituído a região do Cariri, sobre a guerra de Canudos, sobre fatos das décadas em que viveu o famoso padre Cícero, e discorria também sobre suas lembranças de infância no Iguatu, nas quais se incluíam o meu pai e a minha tia-avó que o criou. A tia-avó Ermezinda, avó do meu primo Pedro Rocha Jucá, que terminaria por deixando o Crato, "sentar praça" em Cuiabá.

Na última visita que fiz a Monsenhor Montenegro, já fazia aproximadamente um ano e meio que havia completado 90 anos. Fizeram uma grande e merecida festa para ele. Ele notou a minha ausência ao comentar: faltou você!

Contou-me que, uns dois anos antes, andara doente, e que por pouco não conseguiu completar os seus 90 anos.

Naquele dia despedi-me dele com o sentimento de que não mais o veria, o que de fato veio a acontecer. Sob vários aspectos, tirei muitas lições enriquecedoras daquelas raras ocasiões em que estive com ele.

Monsenhor Montenegro teve a sorte de encontrar ao longo dos seus muitos anos de vida, uma piedosa senhora que dele sempre cuidou diligentemente. 

Agora ela se tornara mais próxima, para atender às exigências desta avançada fase da velhice, passando a morar na chácara.

O Monsenhor Montenegro faleceu no dia 12 de abril de 2005, aos 92 anos, e foi sepultado na capela da própria chácara, onde até o final da vida costumava celebrar missas aos domingos.

A chácara ele doou para que a Diocese ali pudesse abrigar os padres idosos e aposentados como ele. 

Ao deixá-lo após a minha última visita, o abracei, e entrei no táxi que ele mandara chamar para mim. 

Ainda não havíamos cruzado o portão da chácara, e o taxista já puxava conversa comigo, começando por dizer:

- Coitado do Monsenhor!!! Mora aí nesse lugar tão isolado, SÓZINNN !!!!!!!!

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