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quinta-feira, 26 de março de 2015

Tudo Pode Acontecer - Ato I (1/5)



O ano de 1978, me impôs a necessidade de realizar duas conquistas pessoais de grande magnitude. E com urgência!

A primeira seria empregar-me.

A segunda, ganhar o salário de um engenheiro iniciante, embora ainda faltassem mais de dois anos para me formar.

O primeiro passo nessa direção, seguiu a notícia de que a Eletromar, empresa com sede no Rio de Janeiro e escritório em Recife, onde eu morava, estava ampliando o seu quadro de pessoal.

Fui estratégico. 

Comecei por descobrir a firma comercial da cidade, na área de eletrodomésticos, maior compradora dos produtos fabricados pela Eletromar.

Era a loja Pedrosa da Fonseca, cuja sede ficava à rua do Hospício, quase vizinha ao antigo teatro do Parque.

Falar com o dono da loja seria um desafio muito maior do que aquela pesquisa preliminar feita sem auxílio do Google.

Após  todas as tentativas que foram necessárias, fui levado à presença do Dr Pedrosa da Fonseca, a única forma que seus auxiliares diretos encontraram de se verem livres de mim.

Finalmente na sua presença, pareceu-me que ele não tinha muito tempo a perder. Apressou-se, logo perguntando o que eu desejava.

Apresentei-me, e expliquei-lhe.

Foi inspirado pelo James Bond, que falei: meu nome é Jucá. José Jucá.

E sentindo-me auto-confiante e poderoso, emendei: 

Estudo engenharia elétrica, sou aluno do terceiro ano, e pretendo uma vaga de auxiliar técnico na Eletromar.

E prosseguindo:

Sei o quanto é importante para os que contratam, que os candidatos sejam precedidos por boas indicações. O senhor é o maior comprador de produtos da Eletromar da cidade, e do nordeste. O que eu gostaria era que pudesse me apresentar a eles.

O Dr Pedrosa ouviu-me com atenção, e pareceu despreocupar-se de estar perdendo tempo, o que tomei por um ótimo indicativo de sua boa vontade.

Perguntou-me então:

Você se interessaria por um emprego que eu lhe conseguisse em algum outro lugar?

Respondi que sim, sem titubear.

Seguiram-se várias ligações que do Dr Pedrosa para diretores de empresas locais, na tentativa de descobrir quem necessitava de um estudante de engenharia "despachado".

A Eletromar, entretanto, permaneceria como a única opção.

Disse então o Dr Pedrosa: meu contato na Eletromar é o Sr Quental, chefe de vendas, funcionário antigo, um homem muito educado e atencioso, com prestígio junto à diretoria.

Logo depois, de lá eu sairia após os devidos agradecimentos, levando um cartão no qual fora atendido o meu pedido, indicando-me para a função de auxiliar técnico.

No velho prédio da rua da Aurora onde funcionava a Eletromar, o meu acesso ao Sr Quental foi surpreendentemente fácil! 

Ele aparentava mais de sessenta anos, e os cabelos grisalhos pareciam ter sido adquiridos todos ali. Muito branco, e de pele corada, sua vermelhidão e atitudes confusas e apressadas, denotavam um permanente estado de tensão. 

Trocamos muito poucas palavras. A ele entreguei o meu precioso cartão de apresentação. 

O Sr Quental me assegurou que eu seria entrevistado naquele mesmo dia, pelo Sr Constantino, diretor regional da empresa. Não poderia contudo avaliar quanto tempo eu teria de esperar por isso.

Não me senti confiante no papel do Sr Quental, nem tampouco na importância que dera àquela indicação do Dr Pedrosa da Fonseca.

Em seguida fui conduzido ao piso superior, onde em uma ante-sala já aguardavam outras pessoas. Ali me foi indicada uma cadeira onde poderia "esperar sentado".

Incrivelmente, não demorou para que me dissessem para entrar na sala, onde por trás de um imenso birô, escondia-se a figura de um homem baixo, gordo e arrogante.

Um dia de grandes surpresas estava apenas começando. Assim, várias pessoas eram chamadas de cada vez. 

O Sr Constantino atendia empresários, e ao mesmo tempo, candidatos a emprego. Candidatos a emprego para diferentes funções, eram entrevistados simultaneamente uns em presença dos outros. A anarquia comportamental era completada, quando além de tudo isso, entravam na sala ora a sua secretária, ora demais funcionários que ele mandava chamar. Com eles tratava de assuntos internos, ou simplesmente os destratava.

Embora desde o início daquele expediente eu já tivesse sido recebido naquela sala, lá permanecia sentado à frente do seu birô, sem que a entrevista começasse.

Enquanto isso o Sr Constantino dava atenção a outras pessoas, cujo atendimento às vezes terminava, e outros eram recebidos nos seus lugares. Quanto a mim, continuava a aguardar, tomado de um certo sentimento de invisibilidade.

Em determinado momento, estiveram sentados à minha esquerda, visivelmente constrangidos, o dono de uma importante construtora civil da nossa região, e o seu filho, um rapaz que deveria ter aproximadamente a minha idade.

Foi dirigindo-se a eles que o Diretor protagonizou a primeira das incríveis cenas que eu ainda haveria de presenciar.

Prosseguirei esse "Tudo Pode Acontecer" na postagem seguinte: Ato II. 

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