Início da década de 70, na pacata mas progressista Campina Grande, cidade sobre a serra da Borborema.
O silêncio é outra vez quebrado pelo mesmo barulho contínuo, que devagar vai aumentando. Se faz mais alto, mais alto, cada vez mais alto, porque é o caminhão que se aproxima.
Aqui e ali ouvem-se pancadas surdas. Homens sacodem o lixo que das casas recolhem, e o caminhão sem parar a tudo acolhe.
Dentro da casa uma "criança de braço", que poucas palavras sabia, fascinava-se pelos ruídos distantes. Era o prenúncio do seu grande espetáculo diário.
Sons, movimentos e cores. Tudo aquilo durava poucos minutos! Era só enquanto passavam os homens agitados, contrastando com a lentidão do caminhão de lixo, amarelo. Caminhão de lixo amarelo imperturbável em seu lento percurso.
Aos seus primeiros sinais mobilizava-se a criança, e interpretava-a corretamente a cuidadosa babá. A porta para a rua era aberta. Logo postavam-se as duas no terraço da frente, que a um nível mais alto que a rua, tornava-se o camarote ideal para assistir à peça.
Não me lembro de um olhar tão perdido e atento, quanto aquele do meu filho! Perdido, atento e duradouro. Durava o quanto demorasse toda aquela coleta de lixo.
Àquela época, foi quando decorridos os meus primeiros anos de formado, comprei enfim o primeiro carro. Foi o chamado "Fuscão", de cor por demais chamativa, já que era todo amarelo.
Lembro quando à frente de casa, com o meu filho no braço, observei o quanto aquele carro parecia interessá-lo.
Perguntei:
- Gostou do carro de papai?
Ele respondeu sem do carro retirar os olhos:
- Bonito! Parece o caminhão do lixo!
2 comentários:
Como sempre leitura muito boa. Daquelas, como dizem, que dá gosto de lê.
Adorei de montão ! Manda mais ...
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