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sábado, 28 de março de 2015

Onde Encontrar Socorro?


Estive "fora de órbita" por uns dias, após aqueles últimos meses emocionalmente tão intensos, e sobretudo pela forma como terminaram.

Entretanto, o amanhecer seguinte à minha demissão da Eletromar teria que obedecer a rotina habitual. 

O meu estado profissional mudara bruscamente para desempregado, e para que ninguém em minha casa soubesse, em especial o meu pai, era preciso fingir.

Acordar no mesmo horário de sempre e sair como se fosse trabalhar, me provocava uma sensação estranha. 

Duas importantes provas na faculdade se avizinhavam. Pensei: pelo menos para essas terei mais tempo de estudar!

Quem sabe é a isso que se diz: "quando Deus fecha uma porta, abre uma janela?"

Em todo caso conseguiria eu, diante da visão assustadora do curto prazo, fazer o uso desejado daquele tempo que me fora doado?

Os dias passavam e a minha cabeça... Bom! A minha cabeça continuava a mil! Como retomar as rédeas?

Foi quando a partir de algumas constatações pessoais que me eram notórias, concluí: não tenho neste momento nenhuma condição psicológica para ir em busca de outro emprego. Quem sabe, daqui a mais alguns dias!

Proibi-me então de pensar nisso, por enquanto, e evoluí em outras linhas de atitude para melhor enfrentar aquele momento. Sem saber, descobriria depois que agira estoicamente.

Foi assim que comecei a passar o dia na faculdade, onde além de me distrair pela presença dos colegas, focava no estudo para as provas que se aproximavam.

Foi quando algo de muito extraordinário aconteceu!

Ouvi uma voz muito clara e estridente que me pareceu vir do alto. Ainda que finalmente tão concentrado no meu livro, impossível seria não ouvi-la, e com total clareza. Meus tímpanos até hoje guardaram as marcas daquela mensagem.

Era Socorro, irmã de Camilo. Meus colegas distantes de curso. Estudavam engenharia civil. Ela jamais viria a saber o papel que desempenhou no roteiro do filme da minha vida, naquela fase de gênero suspense/terror.

Desenvolvi daí a minha profunda aceitação que as mulheres falem muito, e que falem alto.

Socorro falava para alguém: Já fostes lá na SOCID?

Diante da reação de incompreensão àquela pergunta, Socorro acrescentou: estão precisando de dois estagiários de engenharia. Se houver interesse, vá logo! As entrevistas encerram amanhã.

Nada perguntei a ninguém. Minutos depois de uma consulta às páginas amarelas de um gasto catálogo telefônico, eu saberia o que significava SOCID. Mais do que isso, eu tinha agora o seu endereço.

Senti-me na obrigação de ir, e submeter-me à entrevista. Talvez pela forma inesperada com que dela tomara conhecimento.

Mas o meu lado psicológico não me predispunha a acreditar que dali pudesse resultar o que eu pretendia. Principalmente que viesse a atender o lado financeiro.

Decidi que faria a entrevista, mas para ela fui como às vezes saio para me exercitar: a minha mente levando o meu corpo.

Comparecer àquela entrevista, seria um triunfo da razão sobre a falta de vontade. Isso parece denotar o quanto eu ainda estava arrasado.

Naquela mesma manhã da voz que me falou, e apenas seis dias depois que fora demitido, fui ao cais José Mariano, onde encontrei a SOCID - Sociedade Importadora e Distribuidora Ltda.

Confirmaram-me que o seu Diretor técnico, Caio Pontual, há dias entrevistava estudantes de engenharia para escolher dois estagiários.

Eles trabalhariam no dimensionamento de bombas hidráulicas para diversos fins: comerciais, residenciais e irrigação, entre outros. Afinal, a empresa também fazia projetos de proteção contra incêndios.

As entrevistas porém, não eram realizadas ali. Dr Caio preferia fazê-las durante o período da tarde, no INOCOOP, uma cooperativa habitacional da qual era o presidente.

Na tarde do mesmo dia para lá me dirigi, sendo recebido por sua secretária, que me perguntou: você veio indicado por quem?

Dessa vez a resposta foi: por ninguém!

Disse para que eu sentasse, e aguardasse. Havia mais dois estudantes para serem entrevistados naquela mesma tarde. 

Embora eu tivesse sido o primeiro a chegar, estranhamente eu seria, dos três, o último a ser recebido.

O primeiro dos meus concorrentes, quando perguntado por quem havia sido indicado, respondeu: por F. Pessoa de Queiroz. À época, ele era o equivalente no nosso estado ao atual empresário João Carlos Paes Mendonça, ex-dono da rede de supermercados Bompreço, e proprietário dos maiores Shopping Centers do nordeste. 

Se fora a minha mente que levara o meu corpo até ali, agora foi o meu corpo cansado, que insistiu em permanecer sentado, enquanto a minha mente dizia para ele ir embora.

Ao segundo candidato, que logo em seguida chegou, a mesma pergunta foi feita: quem o indicou? E a resposta também foi, para mim, muito desanimadora: Lula Pontual, filho do Dr Caio Pontual.

Demoraria um pouco até que eu cruzasse a porta daquela sala, cujo interior me chamaria atenção pela sua perfeita organização, que ia dos simples papéis sobre a mesa, à disposição do mobiliário. 

A sala era espaçosa e clara, iluminada pela luz natural que penetrava por duas grande janelas, que também deixavam passar o ar que a tudo arejava. 

Uma cadeira me esperava, para que sentasse de frente àquele homem de traços lusitanos, que certamente herdara de alguns dos seus ancestrais.

Dr Caio Pontual cumprimentou-me educadamente, indicou-me a cadeira, e pondo uma folha de papel no tambor de uma máquina de escrever à sua frente, começou a datilografar minhas respostas às suas perguntas sobre dados pessoais, que incluíam saber até sobre a minha religião.

Ele só não me pareceu preparado para o quanto logo mais eu o desconsertaria. Talvez achasse que estava à frente de apenas mais um candidato, o qual não fugiria do que já lhe era esperado.

Isso não era de todo verdade. Os outros tinham em comum a expectativa de saírem-se muito bem naquela entrevista, e se possível serem escolhidos.

Eu era um garoto a quem, se ainda faltava esperteza, ela estava fartamente compensada por uma visão recente do quão limitados somos para influir naquilo que a vida nos reserva. Há dias me entregava à sorte, deixando-me levar, como uma cortiça na correnteza.

Por isso causei espanto ao responder à primeira questão que me foi dirigida , a qual, entendi, avaliaria a minha aptidão para preencher uma daquelas vagas.

Perguntou-me o Dr Caio: você entende de bombas hidráulicas?

Respondi tão ligeiro e consciente, como se estivesse respondendo o quanto queria ganhar: não sei nem para onde vai!

A reação do Dr Caio, ao levantar os olhos da máquina para mim, não foi de reprovação. Foi de interesse e curiosidade.

Após um breve silêncio, o suficiente para não se tornar constrangedor, Dr Caio disse o seguinte: gostei da sua honestidade. Já entrevistei dezenas de colegas seus, e todos ousaram me dizer que entendiam sim, de bombas hidráulicas. Ora, eu estou no ramo há 35 anos, e só agora penso estar começando a entender um pouco, da porca, do parafuso! Como pode um estudante que nem sequer ainda se aventurou em meio às experiências da vida prática, dizer  que entende de bombas hidráulicas?

Devo dizer que naquele instante percebi que algo muito importante acontecera. Eu até ali apenas achava que era um candidato incomum, e agora tinha a certeza.

A entrevista tomaria rumos menos formais do que começara. O Dr Caio quis saber um pouco mais sobre mim, sobre onde eu já trabalhara, quais os meus planos atuais e futuros.

A tudo devo ter respondido tão satisfatoriamente, que chegamos à minha pergunta preferida.

Foi com uma justificável sensação de "déjà vu" que ouvi a tal pergunta: Qual a sua pretensão salarial?

Um pouco mais a cavaleiro do que da primeira vez, eu havia aprimorado a minha resposta: quero ganhar o mesmo que recebia no meu emprego anterior, isto é, Quinhentos Cruzeiros Novos mensais.

Dessa vez não ouvi risos nem ironias, pois o sentimento foi de respeito.

Dr Caio Pontual já havia encontrado quem queria contratar. Foi o que logo percebi, enquanto me controlava para não me alegrar antes do tempo.

Ele confirmaria isso em seguida, dizendo: quando você entrou nessa sala, eu já havia escolhido os dois estagiários a quem contratar. E dizendo isso apontou para dois dossiês que estavam separados, sobre a mesa. 

E prosseguiu: Acontece que você é a pessoa que estive procurando. Os estagiários que pretendi, seriam para que cada um trabalhasse por meio expediente. 

E me perguntou: Você poderia trabalhar os dois expedientes comigo? Eu o liberarei sempre que você tiver necessidade, por conta do curso.

Eu, que pensava não haver para mim resposta mais fácil do que "aquela", descobri que havia sim!

Naturalmente, e para que as coisas não ficassem inteiramente ao céu, o Dr Caio me pediria para aceitar nos primeiros três meses, que seriam admissionais, um salário de Quatrocentos Cruzeiros Novos. Após esses três meses "de experiência", automaticamente passaria aos Quinhentos Cruzeiros Novos pretendidos. 

Antes do aperto de mãos que sacramentaria a assinatura do contrato, a pergunta e a resposta finais, foram:

- Quando você pode começar?
- Agora.

Concluído o meu primeiro mês de trabalho, o Dr Caio Pontual autorizou, para minha surpresa, que o meu salário passasse para os Quinhentos Cruzeiros Novos.

Finda a entrevista, e ao passar pela secretaria em direção à rua, duvido que a secretária, ainda que a ela apenas tivesse cumprimentado, não tenha tido a certeza de que eu fora escolhido!

Uma vez lá fora, desnecessária era aquela calçada. Meus pés nela não tocavam! Era como se eu fosse um drone que alto voava e era de lá que contemplava a vida.

Eu alçara voo outra vez, e agora não mais seria abatido.


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