Entre as minhas lembranças de trabalho, está algo que aconteceu durante o longo período no qual, na função de engenheiro eletricista, eu me ocupava das Transient Recovery Voltage - TRV. Em português: Tensão de Restabelecimento Transitória - TRT.
Tratava-se de aplicar uma mesma abordagem aos equipamentos elétricos foco do estudo, os quais eram os disjuntores.
Disjuntores em um sistema elétrico de potência são abundantes, e de características variadas. O sistema elétrico da imensa Companhia Elétrica de Geração, Transmissão e Distribuição na qual eu trabalhava, era por demais vasto.
O propósito final de todo esse diligente trabalho, foi estender as análises a TODOS os disjuntores do Sistema.
Os trabalhosos cálculos eram feitos com a ajuda de poderosas ferramentas computacionais. Isso, porém, não tornava para mim menos desejável, que eu tivesse para me ajudar alguns daqueles chinesinhos ligeiros, pacientes e dedicados.
Apropriado seria admitir que tratava-se de um trabalho hercúleo. Era preciso disposição olímpica para fazê-lo.
Foi sem levar para o lado pessoal o fato de terem me presenteado com esse encargo, que entreguei-me inteiramente a essa tarefa.
Hoje lembro, agradecido, de que foi a partir dali que desenvolvi algumas qualidades pessoais importantes, em especial a paciência.
O objetivo final de todos aqueles estudos era conhecer as condições de operação desses equipamentos com relação às suas capacidades de suportarem as TRTs.
As TRTs são tensões elétricas de muitíssimo curta duração, daí o seu segundo T, de transitória. Sob certas condições, quando um disjuntor abre para interromper a corrente elétrica, aparece entre os seus contatos a TRT.
Comparar a curva de suportabilidade desses equipamentos à TRT com a TRT imposta a eles pelo sistema, nas condições mais desfavoráveis, significava ter avançado bastante nos trabalhos.
Em caso de encontrar superação em um desses equipamentos, a solução nem sempre seria trocá-lo. Havia a possibilidade de, através de algumas providências e recomendações operacionais, evitar de abri-lo sob condições que pudessem danificá-lo.
Do ponto de vista da engenharia era sem dúvida um estudo interessante, complexo, sob certos aspectos surpreendente, e chato. Não nessa ordem!
O chato fica por conta da sua extensão e natureza repetitiva, que absorvendo-me inteiramente, impediu-me, enquanto o projeto durou, de envolver-me com outras questões da área de estudos elétricos.
Certo dia, chegou a notícia de que um disjuntor de 13 800 Volts de uma subestação da Chesf, chamada Bela Vista, no estado da Paraíba, havia se danificado.
Os estudos já tinham detectado que ali havia mesmo alguns disjuntores superados por TRT no páteo onde ocorrera esta danificação e, por esse motivo, as recomendações operacionais já haviam sido implementadas.
O caso despertou especial interesse, e de imediato viajei para o local. Encontrei o pobre disjuntor isolado, silencioso, fedorento, finalmente imprestável.
Bem visível no seu tanque verde, havia um pequeno furo ou buraco, que segundo a literatura técnica dava conta, era algo característico da danificação de um disjuntor por TRT.
No entanto, de acordo com o que havia constatado, as recomendações do ponto de vista de configuração do sistema estavam implantadas, e eram obedecidas quando o problema ocorreu.
Confesso que já que o disjuntor danificara, senti uma vontade danada de poder confirmar com base nos resultados dos estudos, que a causa teria sido mesmo TRT.
Porém, como as recomendações operacionais anteriormente feitas já haviam sido implementadas, como explicar que o real motivo tivesse mesmo esse?
Foi quando, conversando com um dos operadores daquela subestação, ele comentou: Coriolano, operador que estava de folga na hora da ocorrência, mora bem aqui perto da subestação. De madrugada, quando aconteceu o problema, da casa dele ele viu uns bêbados que caminhavam pela rua lá em cima, fazendo a maior zoeira.
Ao aproximarem-se da cerca da subestação, do lado lá do treze ponto oito, um deles, que tinha um revólver na mão, fez três disparos. Dois foram para cima, o terceiro foi para baixo, mas lá para o lado da subestação.
Voltei ao disjuntor danificado. Fiz nele uma nova inspeção. Encerrei o meu trabalho. Retornei para Recife.
De volta ao escritório, não poderia ser diferente, havia por lá a expectativa de logo saberem a causa do defeito.
Mal entrei e alguém já perguntava:
- E então? Foi TRT?
Respondi com convicção:
- Sim. Foi mesmo TRT. Tiro de Revolver no Tanque.
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