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sexta-feira, 10 de abril de 2015

Sobre Maria.


A única vez que estive em Iguatu, cidade sede dos Jucás, uma das muitas primas do meu pai, Dodó, aproximou-se de mim e confidenciou: você sabe, meu filho, seu avô Honório (meu avô paterno), foi aqui em Iguatu, muito feliz! Foi onde ele conheceu a sua avó Maria (na foto), o amor da vida dele.

Achei essa revelação fantástica! Ela me foi feita em tom de confidência, como se até as paredes ainda não pudessem saber. E não tivesse acontecido ali, da forma que foi, não teria sido mais. Dodó teve um incomum senso de oportunidade.

Continuando, ela disse: pena que ficaram juntos tão pouco tempo. Quando sua avó morreu, aos 22 anos, seu pai ainda não havia completado 2 anos!

Nunca vi seu avô tão triste!, ela prosseguiu. Na verdade, ele nunca a esqueceu. Anos depois voltaria a casar, com Loló, que era prima dele. Mas, mesmo depois do segundo casamento, ele continuava a fazer versos para a sua avó. Para que Loló não descobrisse, levava todos para nossa prima Vivina. Vivina tinha uma caixa onde guardava tudo que ele escrevia para Maria. Loló tinha muito ciúme do seu avô, por causa de alguém que já havia morrido!

E Dodó me perguntou: você gostaria de visitar o túmulo da sua avó Maria? É muito fácil de encontrar, pois fica próximo da entrada principal do cemitério da cidade.

Para lá me dirigi, e não demorei a encontrar o jazigo. Surpreendeu-me que havia sinais de que alguém dele cuidava com muito zelo.

Eu sempre ouvi meu pai dizer que a noite de Natal jamais pode ser feliz para ele, porque nela perdeu, ainda criança, a própria mãe.

Olhar então para aquela placa no túmulo, foi a confirmação física daquela triste realidade:

Saudosa Memoria De
Maria Hollanda Jucá,
Fallecida A 24 De Dezº1913,
Perenes Saudades
De Seu Esposo E Filho.

Fácil foi saber onde morava quem cuidava do jazigo. Fui dali ao Alto dos Jucás conhecer o Sr Egídio, e descobrir sua relação de parentesco com a minha avó.

Meu pai também comentava que o casamento dos seus pais acontecera contra a vontade da família Holanda, à qual pertencia a minha avó. Por isso eles "casaram fugidos".

Com a morte dela, que poderia ter sido evitada caso já existisse a penicilina, o meu avô levou o filho, quase ainda bebê, para ser criado pelas irmãs dele, minhas tias-avós.

A partir daí não haveria mais nenhum contato do meu pai com a família da mãe dele, exceto por um ou outro primo, como foi o caso do monsenhor Francisco Holanda Montenegro.

Na casa do Sr Egídio, esperei por sua chegada. Ele era um homem saudável, robusto, que aos 80 anos ainda pedalava uma bicicleta com vigor.

Era sobrinho da minha avó, filho de uma irmã dela. Ao vê-lo, tive o sentimento de resgate de uma história que terminara antes mesmo de começar.

Pareceu surpreso com a minha súbita aparição. Quis saber sobre a descendência de meu pai, e lamentou a notícia de que ele já havia morrido.

Disse-me ele: nada mais soubemos depois da morte da tia Maria, sobre esse ramo da família originado por seu pai. Conversou sobre os nossos ancestrais, e sobre o interesse de um de seus filhos no levantamento da genealogia da família, e que ele certamente gostaria de me conhecer.

Este foi o meu último contato com esse elo familiar perdido no tempo, pelo choque de vontades. Na vida real, os finais não costumam ser tão emocionantes e espetaculares quanto os criados na ficção.

Isso tudo me pareceu exemplar de como, apesar dos laços biológicos, os tempos perdidos de convivência, são tempos irrecuperáveis. Afinal, não é possível resgatar o que não se viveu.

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