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sexta-feira, 3 de abril de 2015

Era Preciso Tomar Uma Medida.


Ao rememorar minha vida, deparo-me com o fato de que, durante a minha infância, vivi em uma atmosfera muito religiosa.

Havia até quem primeiro já construísse a capela, na qual haveria de um dia, quem sabe,  um dos seus filhos ordenado padre, ali dar-lhes o orgulho de celebrar.

Foi assim com os meus tios-avôs Antônio (Tonho) de Melo, e José (Zé) de Melo, irmãos do meu avô materno Pedro de Melo.

Contou-me o meu pai, como o desígnio divino chamaria ao sacerdócio um dos filhos do meu tio-avô Tonho.

Disse o tio Tonho para um deles: meu filho, amanhã acorde cedo! O trem para Fortaleza sai do Crato de madrugada. Você vai nele, que é para estudar para ser padre.

Pedrinho, cujo nome deve ter sido em homenagem ao meu avô, virou um estimado padre jesuíta. Também psicólogo, foi o fundador do Departamento de Psicologia da Universidade Católica de Pernambuco.

Graças a ele, estudei no Colégio Nóbrega do Recife, como bolsista, o que me impunha a condição de sair-me sempre bem. Perder a bolsa significaria ter de deixar o Colégio. Isso era indesejável, pois os jesuítas sempre educaram muito direitinho.

As participações eclesiásticas da família Melo, da minha mãe, vão entretanto muito mais distante...

Partindo logo para aquele cujo voo teria maior alcance nas hostes da hierarquia da Igreja Católica Apostólica Romana, é que devo mencionar o meu tio-avô Joaquim.

Quem visitar Pelotas, cidade do Rio Grande do Sul, situada a quase 4000 km do Crato, poderá deparar-se em praça pública com um busto do ex-bispo daquela cidade, Dom Joaquim de Melo.

Antes de tornar-se bispo, foi um dos fundadores do Seminário do Crato. E, nesse seminário, recaíam as minhas atenções de criança, por quatro motivos principais: 

Primeiro, porque ficava perto da minha casa. Segundo, porque situava-se no alto. Terceiro, porque tinha cinco campos de futebol, um ao lado do outro, como se fossem farmácias, aqui na cidade onde moro. Quarto, eu contarei depois...

Seu João, funcionário de meu pai na loja, era vez por outra liberado por ele dos seus afazeres, para me acompanhar ao Seminário, levando uma bola.

Penso que Seu João preferiria mesmo era permanecer trabalhando, apesar de que por lá lhe cabiam os trabalhos braçais. Crianças de 6 ou 7 anos têm muita energia, e, comparativamente, o Seu João, nem tanto.

Além disso eram cinco imensos campos de futebol, e eu me sentia na obrigação de brincar um pouco em cada um deles. 

Essa proximidade ainda que pré-atlética com o Seminário, muito me atraía.

Mas tinha outra coisa! Naquela época, o meu avô Pedro morava em uma casa na esquina da nossa rua. Por lá passavam os seminaristas que, descendo do Seminário em dias de celebrações religiosas, dirigiam-se em grupo à igreja matriz.

Por isso me era dado assistir de perto, passarem dezenas deles, organizados em fila aos pares, com os garotos menores à frente.

Seminário Maior e Seminário Menor, por muito tempo tiveram para mim, a ver com o tamanho dos seminaristas, o que não é de todo errado!

Era um grupo silencioso e ordeiro, caminhavam a um mesmo passo, vestiam todos batinas pretas, e ainda mais, tinham por cima uma túnica branca e, sobre as suas cabeças, o barrete.

As portas e janelas das casas se abriam e dentro delas não ficava ninguém. Apinhavam-se todos nas calçadas para vê-los passar. O ambiente como um todo os favorecia, pois ao longe já repicavam os sinos da igreja. Certamente que não era para chamar os fiéis, e sim para os homenagear.

Esse é o quarto motivo, que ao me provocar maravilhada atenção, me mobilizaria. Cheguei para o meu pai e disse: quero ser padre.

Jamais pretendi afligir meu pai. Somente muito depois, entenderia os momentos de ansiedade e preocupação pelos quais ele então passou. 

Até então eu seria o seu único filho homem, pois Ronaldo nem sonhava em nascer. Ronaldo era uma incerteza! E além disso, ainda que meus pais já contassem com ele, sei bem como ele pensava: quanto mais netos, melhor!

Meu pai depois de momentos de compreensível apreensão, parece ter tido uma luz! Usaria comigo uma estratégia de cunho psicológico, que não ficaria mal chamá-la de "psicologia de resultado", ou "terapia de choque".

Fui pego de surpresa quando, em horário normal de expediente, dado que meu pai deveria estar trabalhando, o vi chegar em casa.

Trazia consigo uma trena, ou fita métrica, na mão.

Dirigindo-se a mim, disse firme e incisivo: Tudo pronto! Falei com o monsenhor Rocha, diretor do Seminário, e sua cama já está lá reservada, lhe esperando.

Vamos então às suas medidas, que preciso entregar o quanto antes ao alfaiate que vai fazer a sua batina. E, voltando-se para a minha mãe, falou: Alice, pode ir arrumando as coisas dele, que hoje mesmo ele já vai dormir no Seminário.

Meu pai, resoluto, já começava a tomar as minhas medidas pelo comprimento dos braços. Ele ainda nem havia terminado, e eu já havia desistido da ideia de ser padre.

... E talvez em grande parte venha daí o meu reconhecimento pelos valores da psicologia.

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