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quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A Transposição do Rio São Francisco Explicada para Uma Criança - 1/2

Tivesse eu que explicar a uma criança em que consiste toda essa polêmica sobre a transposição do Rio São francisco, para ao final ela mesma concluir sobre a questão, eu procuraria fazê-lo de modo bastante imparcial. Do contrário eu a estaria influenciando a pensar igual a mim. Nesse caso eu começaria dizendo que existe um lugar onde há muitas pessoas pobrezinhas. Elas sobrevivem do que plantam para colher, e das galinhas, porquinhos e cabritinhas que criam no cercado. Mas elas precisam ter água, porque sem água não podem sobreviver. Sem água o que plantam não nasce, e até os bichos podem morrer de fome e sede. Também as pessoas terminam precisando ir embora dalí para onde possam encontrar trabalho, comida, e assim poderem viver. E muitas, mas muita pessoas mesmo, têm ido embora desse lugar onde elas nasceram. Há quanto tempo tem sido assim? Sempre foi assim. Teve uma vez, já faz quase 300 anos, que morreu muita gente de fome e sede. Foi um horror! Dalí para cá, surgiram tantas idéias para evitar que aquilo acontecesse de novo, e as primeiras delas, ainda quando eram os Portugueses que aqui mandavam, foram logo sendo providenciadas. Vieram navios de Portugal trazendo material para que fossem construídas as primeiras cisternas e barreiras para armazenar a água, para que ela não faltasse quando ocorresse a seca. Nesse lugar de que falo tem um rio, e o rio é muito bom. Mesmo quando não chove, o rio não seca! Mesmo na pior seca, tem água passando por esse lugar. Ele vem de muito longe, de um outro lugar onde ele nasce, até chegar onde ele finalmente se encontra com o mar. No seu caminho, ele passa por dentro da terra dos pobrezinhos. Quem mora juntinho de onde passa esse rio, ainda assim nem sempre tem água. Mas são muitos os pobrezinhos, e a maioria mora longe de onde passa o rio, e para esses é muito pior. Foi ainda no tempo em que aqui mandavam os Portugueses, na época do chamado Brasil colônia, que surgiu a idéia de tirar um pouco da água do rio, e levar para os que moravam longe dele. A isso passou-se a chamar de transposição. Transposição de uma parte das águas do rio. Alguns adultos acham que esse nome não está muito certo. Primeiro porque dá a impressão errada, a quem entende menos dessas coisas, de que vão tirar o rio do lugar, e levar para outro. Segundo, porque só vale chamar de transposição se o tanto de água que se vai tirar de dentro dele, é MUITO GRANDE. Quando só se vai tirar um tiquinho de nada, melhor é em lugar de transposição, chamar de integração. É que essa água retirada do rio vai passar a ser também de outros rios, levadas para lá digamos que "por dentro de canos". Essa idéia então de transposição ou como outros preferem chamar de integração, apareceu quando aqui ainda estava um rei de Portugal chamado D João VI. O tempo porém foi passando, e enquanto não se fazia nada daquilo que só continuava dentro das cabeças, os governantes foram construindo cada vez mais açudes, cisternas e barragens que são lugares onde colocar a água dentro, guardar, para ter quando ficar muito tempo sem chover. Enquanto isso eles poderiam continuar usando a água, mas não poderiam é usá-la toda! Senão na seca não tem. São tantos desses depósitos de água que fizeram, que só nesses 100 últimos anos, se a gente pegasse toda essa água que eles têm quando estão cheios e botasse em um tanque só, esse tanque teria que ser de um tamanho enorme! Um tamanho tal que coubesse mais do que toda a água da baía de Guanabara. Aí você poderia me perguntar:
- Então agora já existe um montão de água por lá?
- Sim.
- Os pobrezinhos agora estão felizes?
- Não! Eles continuam precisando de água, sofrendo do mesmo jeito que antes.
- Quer dizer que tem água mas o problema não está resolvido?
- Sim.
- O problema então não é a falta de água?
- Não é! Existe a água, mas a água não chega para a maioria dos que dela precisam.
A cada 10 reservatórios lá existentes, somente três atendem às necessidades das pessoas comuns, isto é, dos pobrezinhos do lugar. Os outros 7 têm donos e só eles podem usar. Imagine um homem que tem um pedaço de chão grande, ele faz um açude alí dentro, e só ele, a família dele e as outras pessoas que vivem com ele naquele lugar é que podem usar. Para nem ir muito longe, digamos, é como a piscina de um condomínio. Nem os empregados do próprio condomínio podem usar. Mesmo assim ainda há muita água guardada em reservatórios, que poderia ser levada até onde estão as pessoas que precisam, de um jeito que tivesse água para usar o ano todo. Sim! Porque num açude ali isolado, baixa muito o nível da água quando não chove, e pode até secar. Mas se eles estivessem todos ligados uns aos outros "através de canos", todos iriam ter água o tempo todo. Portanto, há um grupo de pessoas que diz que não há falta de água nesse lugar dos pobrezinhos. O que acontece é que o Governo, que são os homens responsáveis por resolver esse problema, nunca botou aqueles canos para ligar uns reservatórios com os outros, e não deixar faltar água em nenhum deles. Como tem desses reservatórios por todo lugar, os pobrezinhos de toda parte iriam ter água próxima, o ano todo, e não só aqueles que estão juntinho do rio. Por sinal, os pobrezinhos que moram juntinho do rio, gostam tanto dele que tratam ele na maior intimidade, e chamam ele de Velho Chico. Velho porque é mesmo muito antigo. Até ficam de vez em quando dizendo que ele vai morrer! Acontece que se a gente comparar a quantidade de água que ele botou no mar nas grandes secas havidas desde 75 anos passados e recentemente, essa quanatidade de água foi a mesma. Não mudou nada! Está mesmo morrendo? Depende do que se queira dizer com isso. É mais fácil acreditar que realmente esteja morrendo, do mesmo jeito que uma pessoa está se matando quando insiste em muito fumar, se empanturrar de comidas nocivas e outras coisas que não são boas para o pulmão, para o fígado nem para o cérebro. O Velho Chico está lá no canto dele, e não é o responsável pelo prejuízo que anda sofrendo na sua saúde. Ficam os outros o tempo todo jogando sujeira dentro dele, e arrancando os matos das suas margens. Quem é que faz isso? Bom! Se você morasse em uma das mais de 500 cidades que ficam pertinho do rio e que por isso são chamadas de ribeirinhas, também estaria fazendo isso. Como essas cidades não têm reservatório de cocôs nem de xixis, e todos fazem essas coisas, vai tudo para dentro do rio. Além disso, o Chico nasce longe. Vem de fora da terra dos pobrezinhos. Ainda por lá distante, onde tem muitas indústrias, elas também jogam sujeiras dentro do rio. Nesse lugar tem até umas indústrias que precisam queimar carvão, e sabe de onde eles tiram a madeira para fazer o carvão? Das margens do Velho Chico. Há quem diga que o rio é sujo nesse pedaço aí. Pedaço de cima. E pior do que uma pessoa, que se sujou da cintura para cima, o rio quando se suja na parte de cima, a sujeira desce e o rio fica sujo é todinho. Então você pode perguntar:
- Porque fazem isso?
- Uns porque querem, outros porque não podem deixar de usar
o sanitário, e os seus governantes não fizeram as cisternas de
cocô e de xixi, para que nada disso fosse para dentro do rio.
- Mas não tem ninguém que seja responsável por corrigir isso?
- Os reponsáveis são aqueles homens que fazem parte do que a
gente chama de governo.
- Por que então o governo deixa sujar o Chico?
- O Velho Chico está sendo sujo, faz MUITO tempo.
- Sim! e daí?
- Não tem sido apenas um Governo que tem deixado de cuidar
dele. Foram vários governos, um após o outro.
- Mas e não tem como fazer que o governo seja brabo com os
responsáveis? Dizer que parem de fazer isso?
- No Governo, os homens devem cuidar dos interesses de todos.
Dos pobrezinhos e dos que têm muito dinheiro no bolso. Dos
que não têm água e dos que sujam a água.
- Mas a água é de todo mundo, e as fábricas só de alguns!
- Sei o que você quer dizer. O interesse comum deve estar
acima do interesse privado.
- Pois é! O Governo não sabe disso?
- Isso eu gostaria que você descobrisse por você mesmo,
quando crescer.

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