(Uma parábola de autoria de Rubens Alves.)
* * *
“Era uma vez um pastor que gostava muito das suas ovelhas. Gostava delas porque eram mansas e indefesas: não tinham garras, não tinham presas, não tinham chifres. Eram incapazes de atacar e incapazes de se defender. Mansamente elas se deixavam tosquiar. O pastor gostava tanto delas que prometeu defendê-las sempre de qualquer perigo. Como prova do seu amor, tornou-se vegetariano. Jamais mataria uma ovelha para comer. Como resultado de sua dieta de frutas e vegetais, o pastor era muito magro. Havia nas matas vizinhas lobos que também gostavam das ovelhas. Gostavam delas porque eram mansas e indefesas: não tinham garras, não tinham presas, não tinham chifres. Eram incapazes de atacar e incapazes de se defender. Mansamente se deixavam devorar. É: o gostar, freqüentemente, produz resultados diferentes. O gostar do pastor produzia cobertores de lã. O gostar dos lobos produzia churrascos. O pastor estava sempre atento para protejer suas ovelhas contra os ataques dos lobos. Levava um longo cajado nas mãos para golpear os lobos atrevidos que chegavam perto e um arco e flexas para ferir os prudentes que ficavam longe. Viviam assim o pastor, ovelhas e lobos, num delicado equilíbrio. A notícia das ovelhas chegou aos ouvidos de uns cães famintos e de umas hienas magras que moravam nas cercanias. Resolveram mudar-se para a floresta dos lobos para melhorar de vida. Parentes que eram, falavam a mesma língua e logo se entenderam. Organizaram-se, então, de forma racional, a fim de terem churrascos mais freqüentes. O cajado e as flexas do pastor se mostraram impotentes diante das novas táticas. Enquanto ele espantava os lobos que se aproximavam pelo sul, os cães e as hienas matavam as ovelhas que pastavam ao norte. O pastor concluiu que providências urgentes tinham de ser tomadas para a segurança das ovelhas. Pensou: “os lobos, os cães e as hienas atacam porque as ovelhas são indefesas. Se elas tiverem meios de se defender, eles não se atreverão. Preciso armar minhas ovelhas.” Mandou então fazer dentaduras com dentes afiados, chifres pontudos e garras de ferro, com que dotou suas mansas ovelhas. Os lobos e seus aliados, vendo as ovelhas assim armadas, riram-se da ingenuidade do pastor. O fato é que as ovelhas ficaram ainda mais indefesas do que eram, pois não sabiam usar as armas com que o pastor as dotara. Os churrascos ficaram ainda mais freqüentes. Com isso, lobos, hienas e cães engordaram. O pastor teve então uma outra idéia: “Vou contrataar guardas de segurança profissionais para proteger minhas ovelhas.” Os guardas teriam de ser mais fortes do que cães, hienas e lobos. “Tigres”, pensou o passtor. Mas logo teve medo. “Tigres são carnívoros. É possível que gostem de carne de ovelha.” Só se houvesse tigres vegetarianos. Soube então que um criador de tigres, com uso de técnicas psicológicas pavlovianas, havia conseguido transformar tigres carnívoros em tigres vegeterianos. Seus hábitos alimentares eram iguais aos das ovelhas. Nesse caso, não ofereciam perigo. O pastor então contratou os tigres vegetarianos como guardas das suas ovelhas. Os tigres, obedientes, começaram a guardar as ovelhas e diáriamente recebiam, como pagamento, uma farta ração de abóboras, nabos e cenouras. Os lobos, as hienas e os cães, vendo os tigres, ficaram com medo. Como medida de segurança passaram a caçar as ovelhas durante a noite. Os tigres, patrulhando a floresta, vez por outra encontravam os restos dos churrascos com que os lobos, hienas e cães haviam se banqueteado. Sentiram, pela primeira vez, o cheiro delicioso de carne de ovelha. Lambendo os restos, sentiram, pela primeira vez, o gosto bom do seu sangue. E perceberam que a carne de ovelha era muito mais gostosa que sua ração de abóboras, nabos e cenouras. Pensaram então: “Melhor que sermos empregados do pastor seria sermos aliados dos lobos, das hienas e dos cães.” E foi o que aconteceu. Tigres, lobos, hienas e cães tornaram-se sócios. Os lobos, as hienas e os cães tornaram-se atrevidos. Não atacavam mais durante a noite. Atacavam em pleno dia. Ouvindo os balidos das ovelhas, o pastor gritava pelos tigres. Mas eles não se mexiam. Faziam de conta que nada estava acontecendo. Mal sabia ele que os tigres, durante as noites, comiam churrasco com os lobos, com as hienas e com os cães. O pastor resolveu pôr ordem na casa. Chamou os tigres. Repreendeu-os. Ameaçou cortar sua ração, ameaçou despedi-los. Foi então, em meio ao sermão do pastor, que os tigres começaram a se perguntar uns aos outros: “Qual será o gosto da carne de um pastor?” E responderam: “É preciso experimentar!” Dada a resposta, o mais forte deles abriu uma boca enorme e emitiu um rugido horrendo, mostrando os dentes afiados. O pastor, olhando para a boca do tigre, viu então o que nunca imaginara ver: chumaços de lã entre os dentes do tigre. Num relance ele percebeu o destino que o aguardava: ser churrasco de tigre. E seu pensamento pensou depressa. O pastor já notara que os lobos, as hienas os cães e os tigres estavam gordos e felizes. Ele vegeteriano, defensor das ovelhas, estava cada vez mais magro. E assim, numa fração de segundo, ele compreendeu a realidade da vida. E, antes que o tigre o devorasse, ele propôs: “Façamos uma aliança ...” E desde esse dia, a fazenda, que se chamava Ovelha Feliz, passou a se chamar Ovelha Saborosa. O pastor, os tigres, os lobos, as hienas e os cães viveram felizes pelo resto dos seus dias, cada vez mais gordos, as bocas sempre lambuzadas com gordura de ovelha.
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