Por: MARCOS NOBRE - Jornalista da Folha de São Paulo.
O GANHADOR do Oscar "Onde os Fracos não Têm Vez" começa com grandes planos que lembram os momentos heróicos dos faroestes. Mas as paisagens vão se tornando melancólicas como a voz do narrador, que diz que a única forma de avaliar a própria vida é se comparar com "os velhos". Justamente aqueles que segundo o título original ("No Country for Old Men") não têm mais lugar. Como os "velhos", também o narrador desaparece sem maiores explicações. Se não há mais um passado com que se comparar, não há também como adotar a máscara do narrador. Não é mais possível contar uma história até o fim. O filme toma todos os grandes temas e gêneros do cinema sem levar nenhum deles até o fim. O caçador que passa a ser caçado, o faroeste, o filme de ação, o pastelão, o suspense, a violência gratuita, o road movie, cada um parece se configurar e desaparece em seguida. É possível descobrir quando se passa a ação porque o matador decide jogar a vida de um dono de posto de gasolina em um cara ou coroa. Ele diz que a moeda de 1958 está circulando há 22 anos. Uma das chaves do filme é essa: o apagão político em que nos encontramos começou lá no mundo xiita do governo Reagan. Mas só mostrou por inteiro a sua face agora. E o matador é o seu emblema. O filme é muito bem-sucedido em desmontar o grande motor ideológico do capitalismo dos EUA, o acaso. A única esperança de se dar bem na vida é um lance de sorte, é agarrar-se a uma oportunidade. Por isso é também um país obcecado por conspirações: elas são a contrapartida lógica da crença no domínio universal do acaso. Daí o sucesso de um Michael Moore. "Onde os Fracos não Têm Vez" desmonta essa alternativa entre o sem sentido completo do acaso e a explicação completa da conspiração. O matador se apresenta como agente da morte, como agente do acaso. Mas ele mesmo, na sua conduta, segue princípios rígidos e inflexíveis. Nesse momento surge uma tênue esperança. Paradoxalmente, a maior fraqueza do filme também. Voltando do funeral de seu marido e de sua mãe, a mulher encontra o assassino em sua casa. Uma vez mais ele propõe um cara ou coroa. Ela se recusa a jogar. Diz que não é o acaso quem decide. É ele. Ou seja, há uma pessoa de carne e osso tomando decisões. As decisões poderiam ser outras. Mas aí é que está o segredo: não é de fato uma pessoa, um indivíduo que está tomando decisões. Também o matador segue um mecanismo que ele não compreende. Ele apenas executa, nos dois sentidos da expressão. Talvez essa tênue esperança possa explicar por que um filme tão bom ganhou o Oscar.
Fonte: Folha de São Paulo.
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