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domingo, 1 de agosto de 2010

Três Contos de Rubem Alves - Conto 01/03: Lições de Política.



Imagino que as crianças fiquem muito confusas com as notícias sobre política. Resolvi, então, preparar uma pequena cartilha que as ajudará a entender essa coisa misteriosa que é o centro da vida nacional.

1. Somos uma democracia. A democracia é o melhor sistema político. É o melhor porque nele, ao contrário das ditaduras, é o povo que toma as decisões.

2. Em Atenas, berço da democracia, era fácil consultar a vontade do povo. Atenas era uma cidade com poucos moradores. Eles se reuniam numa praça e tomavam as decisões pelo voto. Mas no Brasil são milhares de cidades, espalhadas por milhares de quilômetros, e os cidadãos são milhões. Não podemos fazer uma democracia como a de Atenas. Esse problema foi resolvido de forma engenhosa: os cidadãos, milhões, escolhem por meio de votos uns poucos que irão representá-los. O Congresso é a nossa Atenas.

3. Assim um vereador, um deputado, um senador, um prefeito, um governador, um presidente são pessoas que abriram mão de seus interesses para cuidar apenas dos interesses do povo que eles representam.

4. É assim na teoria. Na prática é assim...

5. As raposas, devotas de são Francisco, sabem que é dando que se recebe. Assim, movidas por esse  ideal espiritual, elas dão muito milho para as galinhas.

6. As galinhas, interesseiras e tolas, tomam esse gesto das raposas como expressão de amizade. A abundância do milho as faz confiar nas raposas. E como expressão da sua confiança nascida do milho, elas elegem as raposas como suas representantes.

7. Eleitas por voto democrático, às raposas é dado o direito de fazer as leis que regularão o comportamento das galinhas.

8. As leis que regem o comportamento das raposas não são as mesmas que regem o comportamento das galinhas. Sendo representantes do povo, precisam de proteção especial. Essa proteção tem o nome de "privilégios", isto é, leis privadas que se aplicam aos poucos especiais.

9. Privilégio é assim: raposa julga galinha. Mas galinha não julga raposa. Raposa julga raposa. Logo, raposa absolve raposa.

10. "Todos os cidadãos são livres e têm o direito de exercer a sua liberdade." As galinhas são vegetarianas e têm direito de comer milho. As raposas são carnívoras e tem o direito de comer as galinhas.

11. A vontade das galinhas, ainda que seja a vontade de todas as galinhas, não tem valia. Vontade de galinha solitária só serve para escolher os seus representantes. A vontade que tem poder é a das raposas.

12. Permanece a sabedoria secular de santo Agostinho, aqui traduzida em linguagem brasileira: "Tudo começa com uma quadrilha de tipos 'fora da lei' - criminosos, ladrões, corruptos, doleiros, burladores do fisco, mafiosos, mentirosos, traficantes. Se essa quadrilha de criminosos se expande, aumenta em número, toma posse de lugares, de cargos, de ministérios, da presidência de empresas, e fica poderosa a ponto de dominar e intimidar os cidadãos, estabelecendo suas leis sobre como repartir a corrupção, ela deixa de ser chamada quadrilha e passa a ser chamada de Estado. Não por ter-se tornado justa, mas porque aos seus crimes se agregou a impunidade".

Fonte: do livro "Rubem Alves - Desfiz 75 anos".

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