Talvez a maior certeza de um ser humano quanto ao futuro seja a da sua própria morte, embora paradoxalmente quase ninguém a espere. Quanto mais velho um sobrevivente, maior o número de vezes que passou pela dor causada pela morte dos outros. Algumas visceralmente indesejadas e inesperadas. Principalmente em nossa cultura ocidental, a convivência com a morte tende a permanecer incômoda, porque ameaçadora.
Embora algumas pessoas negem sentir medo da morte, na opinião de importantes psicoterapeutas, a "angústia da morte" está presente em TODOS de diferentes formas. A sua manifestação em cada um acontece de modo próprio, e nem sempre trata-se de algo consciente.
Em outras palavras, um terapeuta poderia muito bem lhe dizer:
- Você não tem medo da morte?! Claro que você "se pela de medo" da morte! Você é que não sabe!
Sendo assim, sentimentos negativos atribuidos a conflitos da lida diária, podem ter a sua fonte real na angústia (inconsciente) da morte.
Ainda que sem saber, os que não conseguem parar por um instante, os que precisam ter preenchidos todos os minutos do seu dia, os que entregam-se a cargas de trabalho cada vez mais absorventes, e os que não sabem se aposentar, refugiam-se no excesso de ocupações, para evitar essa dor inerente a condição humana.
Por isso se diz que para viver melhor, é preciso aprender a lidar com a morte.
Irvin Yalon, é um psiquiátra e escritor nascido americano, que aos 77 anos, aguarda em grande estilo, a aproximação da sua própria morte. Como goza de boa saúde, é provável que deverá esperar ainda por muitos anos. Enquanto isso ele continua a escrever excelentes livros, e a ajudar pessoas com medo da morte. Entre elas, ele próprio.
Ele é o autor de "Quando Nietzche chorou".
O seu livro mais recente é: "De frente para o sol - Como superar o terror da morte".
Uma alusão ao pensamento de François de La Rochefoucauld: "Nem o sol nem a morte podem ser olhados fixamente."
Nele, o autor pela primeira vez revela aspectos pessoais de sua vida, e dedica um capítulo a conselhos dirigidos a colegas psicoterapeutas.
A propósito, você já pensou sobre o que acontece depois que morremos?
Quero dizer, deixando de lado os pensamentos que provávelmente lhe foram introjetados desde a infância, você uma vez tendo deles se livrado, já pensou sobre essa questão utilizando a razão? Você escolheu "sozinho" a sua própria idéia de como seria o após morte?
Isso o Irvin Yalom certamente o fez, para chegar a plena concordância com Epicuro (341 a.C. - 271 a.C), o filósofo da Alegria".
Para eles, assim como o corpo é finito e se extingue com a morte, a alma também é finita, e se extingue junto com o corpo.
Afinal, com base em Epicuro e Yalom, ninguém precisa mesmo se preocupar. "Por que temer a morte se nunca podemos percebê-la"? "Onde a morte está, eu não estou. Não existirei mais para sentir terror, tristeza, pesar, privação. Minha consciência vai estar extinta, o interruptor desligado. Luzes apagadas". E diz ainda o Yalom: "Também encontro conforto no argumento simétrico de Epicuro: depois da morte, vou estar no mesmo estado de inexistência de antes do nascimento."
O incomparável Woody Allen, disse provávelmente baseado nesta idéia: "Não tenho medo da morte, apenas não quero estar presente quando ela chegar".
Yalom porém não faz questão que ninguém pense como ele. É um belo exemplo a ser seguido, de como não buscar prosélitos. Isso está exemplificado em sua vasta experiência profissional. Jamais ele destruiria um sistema de crença já enraizado em alguém. Ainda mais se esse sistema o ajuda a lidar melhor com o problema. Mais do que isso, quando necessário, tem ajudado a remover obstáculos para que alguém resolva a sua "angústia de morte", pela adoção de qualquer que seja o seu "sistema de pensamento".
É através do livre pensar, que surgem os abismos ideológicos.
Talvez seja um bom exemplo de abismo ideológico, o diálogo entre o Irvin Yalom e um rabino ortodoxo, durante uma seção de psicotrapia. Esse pequeno trecho do livro, que até poderá estimular a lê-lo, é na minha opinião, da parte do Yalom, um exemplo de respeito as opiniões alheias, uma prática saudável e que bem poderia tornar-se generalizada.
Diz à página 152 do seu livro, o autor:
"Anos atrás, um jovem rabino ortodoxo vindo de fora do país telefonou para pedir uma consulta. Disse que estava estudando para se tornar um terapeuta existencial mas que sentia uma dissonância entre sua prática religiosa e minhas formulações psicológicas. Concordei em vê-lo, e uma semana depois ele apareceu em meu consultório, um homem jovem e atraente, com olhos penetrantes, uma longa barba, suiças longas, um solidéo e, curiosamente, calçando tênis. Por meia hora, conversamos generalidades sobre seu desejo de se tornar terapeuta e os conflitos entre suas crenças religiosas e muitas idéias específicas em meu livro didático "Existential Psychotherapy".
De início respeitoso, seu comportamento mudou lentamente, e ele começou a expor suas crenças com um fervor que me fez suspeitar de que o real objetivo da visita era me converter à vida religiosa. (Não foi a primeira vez que fui visitado por um missionário.) Conforme a sua voz ficava mais alta e suas palavras mais velozes, eu lamentávelmente fiquei impaciente e muito àspero e descuidado do que de costume.
- Sua preocupação é justificada, rabino, - interrompí - , existe um antagonismo fuandamental entre nossas opiniões. Sua crença em um Deus pessoal, onipresente e onisciente observando, protegendo e proporcionando a você um modelo de vida é incompatível com o núcleo da minha visão existencial de uma humanidade livre, mortal e atirada sozinha e aleatoriamente em um universo hostil. Na sua opinião - continuei - a morte não é o final. Você me diz que ela é apenas uma noite entre dois dias e que a alma é imortal. Portanto sim, existe de fato um problema em seu desejo de se tornar um terapeuta existencial: nossos dois pontos de vista são diametralmente opostos.
- Mas como você - ele respondeu com imensa preocupação em seu rosto - consegue viver com apenas essas crenças? E sem um significado?
- Ele balançou o dedo indicador na minha direção. - Pense bem. Como pode viver sem uma crença em algo maior do que você mesmo? Digo-lhe que é impossível. É como viver na escuridão. Como um animal. Que sentido haveria, se tudo está destinado a desaparecer? Minha religião me proporciona sentido, sabedoria, moralidade, conforto divino, um modo de viver.
- Não considero essa uma resposta racional, rabino. Essas conveniências: sentido, sabedoria, moralidade, viver bem, não dependem de uma crença em Deus. Sim, é claro que a crença religiosa proporciona uma sensação boa, confortável, virtuosa; é exatamente para isso que religiões são criadas. Você perguntou como consigo viver. Acho que eu vivo bem. Sou guiado por doutrinas criadas por humanos. Acredito no juramento hipocrático que fiz como médico e me dedico aos outros se curarem e crescerem. Vivo uma vida moral. Sinto compaixão por aqueles ao meu redor. Tenho uma relação carinhosa com a família e amigos. Não preciso que a religião me proporcione uma bússola moral.
-Como pode dizer isso? - ele interrompeu. - Lamento muito por você. Há momentos em que sinto que, sem meu Deus, meus rituais diários e minhas crenças, não poderia viver.
- E há momentos - respondi, perdendo completamente a paciência - em que penso. que , se tivesse que devotar minha vida à crença no incrível, passar o dia segundo um regime de 613 regras diárias e glorificar um Deus que ama a exaltação humana, eu consideraria me enforcar!
Nesse momento o rabino ergueu a mão para o seu solidéu. "Ah, não", pensei, "ah, não, ele não vai desistir. Fui longe demais! Longe demais! Disse impulsivamente mais do que gostaria". Nunca desejei minar a fé religiosa de alguém.
Mas não, ele estava simplesmene se esticando para coçar a cabeça e expressar um espanto desconcertante quanto ao enorme abismo ideológico que nos separava e quanto ao meu grande afastamento da minha herança e antecedentes culturais. Terminamos nossa sessão de maneira cordial e nos separamos, ele para o norte, eu para o sul. Nunca fiquei sabendo se ele continuou o estudo de psicoterapia existencial."
Cada pessoa tem um papel fundamental na criação da sua própria realidade.
Ou não?
Bom! Isso aqui é apenas um blog, se eu não morrer, pretendo voltar ao assunto na próxima postagem.
:-)
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