Esta pintura do século I encontrada na desenterrada Pompéia, na casa que pertenceu a Terêncio Neo, foi inicialmente erroneamente considerada o retrato de Paquio Próculo e da sua mulher. Pesquisas posteriores indicaram porém que na realidade, trata-se mesmo de Terêncio Neo e mulher, que de origem humilde, ascenderam socialmente a partir do seu interesse pelo conhecimento, e amor a literatura.
Como seriam Paquio Próculo e a mulher dele?
Isso jamais saberemos.
Sabemos contudo, como eram Terêncio Neo e a sua mulher!
A bela pintura, que até parece uma fotografia, me revelou um Terêncio que até parece um conterrâneo nordestino do longínquo Brasil, exceto pelos olhos!
Longínquo Brasil, porque além da separação geográfica, mais de 2000 anos o antecedem dos seus semelhantes físicos locais.
Emoldurei a reprodução dessa pintura, e a tenho na parede de casa, pois ela me causa uma forte impressão.
O texto a seguir, sobre este quadro, é de Phillipe Ariès e George Duby, historiadores franceses, autores de História da Vida Privada:
"Com eles o gelo logo se rompe: para conhecê-los basta fitá-los nos olhos; eles mesmos nos olham assim. Em todas as suas épocas a arte do retrato não comporta semelhante troca de olhares.
Esse homem e essa mulher não são objetos, pois nos vêem; porém nada fazem para nos provocar, seduzir, convencer ou entremostrar alguma interioridade que não mais ousaríamos julgar. Percebeu menos nossa presença do que se ofereceu tranquilamente aos olhos do mundo: nossa presença é natural, e eles mesmos se acham naturais; são o que nós somos, e os olhares se trocam com igualdade por um valor comum.
Durante muito tempo essa humanidade greco-romana foi clássica: natural, atemporal, ampla. O pai de família e sua esposa não fazem pose nem mímica; a roupa de ambos não ostenta sinais sociais nem símbolos políticos - a roupa não faz a pessoa; o cenário é vazio: diante desse fundo neutro, o indivíduo é ele mesmo e seria o mesmo em qualquer lugar. Verdade, universalidade, humanidade. A mulher concentrou a elegância no penteado e não usa jóias.
Hoje em dia acreditamos na arbitrariedade dos costumes, no tempo da história e na finitude. Para despertar-nos do sonho humanista em que eles estão mergulhados basta um primeiro argumento, ainda exterior: esse homem e essa mulher eram ricos o bastante para mandar pintar o seu retrato. Também são indivíduos apenas na aparência; seu retrato, que poderíamos tomar por uma foto instantânea, como que por acaso fixou-lhes a identidade na faixa dos quarenta anos, em que se acabou de crescer e ainda não se começou a envelhecer. Não são seres de carne e osso, captados num momento qualquer de sua vida, mas os tipos individualizados de uma sociedade que quer ser ao mesmo tempo natural e ideal. O instante coincide com uma verdade sem idade, e o individuo é uma essência.
O marido e a mulher detém os atributos menos contestáveis e mais pessoais de sua superioridade social; não a bolsa ou a espada, atributos da riqueza e do poder, mas um livro, tabuinhas de escrever e um estilete. Esse ideal de cultura é natural: o livro e o estilete visivelmente são para eles instrumentos familiares, que o casal não ostenta. Coisa bastante rara na arte antiga, que não aprecia os gestos familiares, o homem expectante apóia o queixo no livro (em forma de rolo), e a mulher pensativa leva o estilete aos lábios: procura um verso, pois a poesia também é uma arte das damas. Um Michelangelo há de gostar dos gestos "autísticos" (seu Moisés distraidamente acaricia a própria barba); revelam nele a sombra de uma dúvida ou de um sonho. Mas aqui ninguém sonha: eles meditam e estão seguros de si, pois o gesto autístico prova a intimidade da cultura; não há privilegiados, têm livros porque os apreciam. A sutileza e a naturalidade dessas belas mentiras constituem a grandeza do mundo greco-romano que vamos visitar. Burgueses ou senhores? Elegantes. Se a amizade e o luto tem os seus direitos, então tenho a permissão de dedicar as páginas seguintes à memória de Michel Foucault, um homem tão forte que com ele sentia-se o prazer que se experimenta junto a uma montanha. Perda de uma fonte de energia."
It is a strange courage
You give me, ancient star.
Shine alone in the sunrise
Toward which you lend no part.
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